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sábado, 16 de outubro de 2010

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito





por Tânia Bacelar de Araujo
(Doutora em Economia e Secretária de Planejamento de Miguel Arraes)


A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não “soubesse” votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa Família” serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas – teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).



A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.



A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.



Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.



Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.



Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.



Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro,a construção civil “bombou” na região.



A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais – antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos ( na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira “cidade da ciência” num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).



Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados ( seguro – safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.



Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.



Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma região plena de potencialidades.



E o voto agora é 13 !!!

Agradecimentos à amiga Valda Colares, de Olinda e do mundo!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

DE COMO CONQUISTAR OS ELEITORES DE MARINA






O que dizem os votos de Marina e como conquistá-los


Você pode discutir qual é o peso relativo dos três (não dois) grandes blocos de votos que contribuíram para os surpreendentes 20% de Marina Silva: 1) o voto estritamente marinista, verde, ecológico, que é crítico de algo maior que o PT, ou seja, de todo um paradigma desenvolvimentista que, ironia das ironias, o PT veio a representar melhor que ninguém; 2) o voto "ético"-jovem-universitário-profissional-liberal-urbano, uma parte dele (a maior, me parece) composta por desiludidos com erros ou presepadas do PT, e a outra parte (menor, me parece) composta por eleitores movidos pelo episódio Erenice; 3) o voto evangélico que, por sua vez, tampouco é homogêneo, posto que formado de uma parcela—menor, creio—de votantes que já estavam com Marina e outra parcela—maior, creio—que foi mobilizada em termos anti-Dilma às vésperas da eleição. Num debate que teria, de preferência, que se realizar com atenção aos mapas relevantes, poder-se-ia discutir à exaustão qual é a contribuição de cada um desses segmentos para o resultado final.

O que me parece indiscutível é que somente este último, o voto evangélico, chega como irrupção e acontecimento. Foi ele o grosso do voto não computado nas pesquisas. Isso me parece verdadeiro, mas não se pode pular daí para a afirmação de que foi o atraso quem impediu a vitória dilmista no primeiro turno. Essa linha de análise é sempre muito rasa.

Para a campanha de Dilma, a tarefa é dupla. Por um lado, há que se entender os recados dados por todos os segmentos que votaram em Marina, para que a partir daí ocorra a negociação e o convencimento desse eleitorado. Esses recados têm densidade, têm conteúdo, aludem a fatos reais e não se limitam, de forma nenhuma, a uma suposta “Marina no colo da direita”. Jogar por aí é não entender o jogo. Por outro lado, há que se analisar quais foram os erros de campanha de Dilma que ajudaram a impedir a esperada vitória no primeiro turno. Fazer as duas coisas já não é fácil. Fazê-las simultaneamente é mais difícil ainda, pois a primeira—ouvir realmente os eleitores de Marina—exige humildade, proximidade e empatia. A segunda tarefa—fazer a autocrítica da campanha—exige inteligência, desprendimento, distância. São duas tarefas aparentemente contraditórias, que demandam posturas e capacidades opostas, mas elas são simultâneas e complementares.

O fascinante do resultado de domingo é que todo mundo errou. Se alguém aí previu que Marina venceria em Belo Horizonte, Maceió, Distrito Federal, Nova Lima, Volta Redonda, Vitória, Vila Velha e Niterói, além de praticamente empatar com Dilma em Natal e superá-la em Campina Grande, levante a mão, mostre um link com data anterior a 03 de outubro, que eu visto uma camisa do Flamengo ou do Cruzeiro aqui, a gosto do freguês. Todo mundo errou nas previsões, inclusive o vitorioso de domingo na eleição presidencial, que foi claramente o campo marinista. Por isso o futebol, na sua imponderabilidade, é o esporte que mais tem a ver com a política democrática. Sim, trata-se do velho clichê da caixinha de surpresas, mas também do dado menos óbvio de que o futebol é o menos contábil dos esportes, e se há uma mensagem relevante que a campanha de Marina tentou transmitir é a crítica à redução do mundo a uma lógica contábil. Quando gente como Ricardo Paes de Barros, José Miguel Wisnik, Alexandre Nodari e Eduardo Viveiros de Castro coincidem numa candidatura que não é a sua, ou que não é a que você esperava que eles apoiassem, só um sectário muito desprovido de sensibilidade passaria à desqualificação sem uma escuta detida.

No campo dos erros, há que se destacar os estruturais, mais antigos, e os conjunturais, que se manifestaram de uma forma especialmente maluca nesta campanha. Os erros estruturais são parte do recado das urnas marinistas e não podem ser ignorados. O caso de Belo Horizonte é emblemático. Há exatos dois anos, o PT concluía 16 anos de governo de uma coalizão sua na cidade, com um prefeito que deixava o cargo com noventa por cento de aprovação. Esse prefeito, Fernando Pimentel, é diretamente associado a Dilma e é parte da cúpula de sua campanha. A cidade não tem qualquer tradição de antipetismo raivoso como aquele encontrado em partes de São Paulo e Porto Alegre. Como é possível que o resultado aqui tenha sido Marina Silva 39,9%, Dilma Rousseff 30,9% e José Serra 27,7%, num contexto de grande vitória da esquerda nas legislativas?

Essa parte me parece relativamente simples. As urnas disseram: “não gostamos das lambanças do PT-BH nas eleições de 2008 e do PT-MG em 2010, apesar de o PT ter governado bem a cidade. Votaremos em alguém que é suficientemente próxima aos ideais da bem sucedida prefeitura de 1992-2008, mas que se afastou do campo petista, em parte, por lambanças como essa”. Junte-se a esse recado mais estrutural a avalanche de desinformação e propaganda pra cima dos evangélicos nos últimos dias--essa avalanche realmente existiu—e você tem os ingredientes dos números que deixaram todos os junkies políticos belo-horizontinos de queixo caído. Os mesmos ingredientes se combinam em outras latitudes, como o Acre, um estado onde o PT tem fortíssimas raízes, elegeu o Governador e um Senador, mas no qual Dilma ficou empatada com Marina e bem longe de Serra. Se você é petista e não vê aí um recado além do “Marina está no colo da direita” ou do “Marina é a falência do movimento ecológico” (sim, isso foi escrito), sinto muito, você precisa ler a Flávia Cera.

É sabido que, por volta de dois meses atrás, um grupo de lideranças evangélicas procurou a campanha de Dilma, preocupadas com a disseminação de boatos e emails falsos. A campanha fez a “Carta ao Povo de Deus” e ficou por isso mesmo. Os programas de João Santana—excelentes, belíssimos, inovadores—não dedicaram um só minuto, no entanto, à refutação da pilha de spam religioso anti-Dilma disseminada para púlpitos e fiéis. A coordenação de internet não ofereceu respostas a isso. Preferiu brincar de Twitter e #ondavermelha. A campanha online foi feita à base do cada um por si, sem que se aproveitasse de forma coordenada a enorme base de recursos humanos da esquerda brasileira na rede.

Quando os evangélicos voltaram a procurar a campanha de Dilma, em setembro, o nível da loucura havia piorado sensivelmente. Algumas lideranças religiosas gravaram depoimentos de apoio à candidata petista, mas não houve uma resposta sólida e consistente da campanha. Os marqueteiros não são lá grandes fãs do potencial da rede e, por sua vez, a coordenação de internet de Dilma era pobre e fraca de ideias. É importante reconhecer isso sem que esse reconhecimento nos ensurdeça para o recado real das urnas marinistas, que transcende em muito o spam do ódio.

É evidente que temos que explicar que Michel Temer não é satanista. Aliás, podemos inclusive esclarecer que ele já fez pactos com o DEM mas, pelo que nos consta, com Satã nunca aconteceu. Mas é preciso fazer isso sem desmerecer ou desqualificar o recado dado pelas urnas marinistas em sua totalidade, sem reduzir o voto de Marina a qualquer um de seus blocos, muito menos o evangélico, justamente aquele que é mais conjuntural (apesar que não necessariamente menos numeroso) na constituição da identidade da sua candidatura.

Não há motivo para pânico. Marina tem muito mais a ver com Dilma que com Serra, e isso é o próprio Serra quem diz. Para nós, faltam 3 pontinhos. Para Serra, faltam quase 18. Marina sabe que coloca seu capital político em maus lençóis se apoiar alguém como Serra. Também sabe que não lhe interessa entregar nada de graça a Dilma agora, e há que se entender isso. É da política. Um petista reclamando que Marina não está agindo de forma a facilitar as coisas pra nós é como um lateral queixando-se de que um ponta o engana, fingindo que vai abrir o jogo para depois cortar para o meio. Ora, você tem que aprender a marcar. O jogo é jogado.

Ainda estamos bem, mas é preciso jogar com inteligência, humildade e decência e, acima de tudo, não deixar que nenhuma dessas qualidades atrapalhe as outras duas.



Escrito por Idelber às 04:55
em O Biscoito Fino e a Massa


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Agradeço ao Blog do Itárcio por ter me indicado essa bela postagem.