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quarta-feira, 6 de abril de 2011

CINZAS DO ALCORÃO E DOS SONHOS...















A vida não se acaba
apenas quando o esquife é engavetado
ou quando a última pá de terra é lançada...

Vinha pensando por esses dias nos sonhos
que eu acalentava aos 17 anos.
Eu acabara de ler a série engajada do Jorge Amado.
Fiquei vidrado no Terras do Sem Fim,
Fiquei fascinado pelo Seara Vermelha!
E lembro que disse ao primo Zeca,
com a típica presunção dos adolescentes:
Eu sou capaz de escrever algo assim,
tendo como cenário o Recife.
Era a idéia de meu interminável romance Pina,
que ainda rola por aí,
com o esquisito nome de Bóstrix N’água.
Era um tempo de mudanças.
De esperança.
Danei-me então a compor canções ao violão.
Claro que ao modo do Quinteto Violado.
Eu tinha os meus modelos.
E cometi dezenas de poemas de versos livres,
como os que encontrei no Pessoa, no Drummond... no Jorge de Lima...
Mas a vida não era tão bela assim.
Um dia, em uma profunda crise existencial
(que se chamava “grilos”, naquele tempo ),
portanto, “grilado” com a vida,
eu queimei todos os meus manuscritos,
exceção de um que havia sido emprestado a um amigo,
e, assim, salvou-se do incendiário.

Mas, como eu vinha dizendo,
a vida se acaba bem antes do esquife enfeitado por flores.
A vida tem fim quando um homem deixa de sonhar.
Quando não mais acredita em seus projetos de futuro.
Quando desiste das lutas políticas,
das lutas amorosas,
das lutas, enfim.
Eu ando morrendo por esses dias.
Morrendo aos poucos.
A cada dia morre um sonho e eu com ele.

(Ainda me resta essa blogosfera, essas publicações de diletante,
essa brincadeira virtual.
Esse restinho de sonho, em doses homeopáticas...)

Mas não sobreviverei a esse tempo.

Eu, que aos dezessete anos aprendi a cantar o PACEM IN TERRIS,
canção de protesto do meu amigo Maurício Tavares de Aquino, o Babá,
grande compositor de baladas cheias de fé na humanidade,

Eu, que acreditava que a fraternidade era possível,
e que a civilização rumava para a paz universal...rsrs

Não sobreviverei a esse tempo.

Como posso sonhar com o futuro,
vendo as coisas que vejo nas ruas daqui e de alhures.
Aqui os mais jovens morrem de overdose de crack
ou de suas dívidas, cobradas sempre à bala.
Eu os vejo da minha janela.
São os amigos de infância de meus filhos.
Uns são os algozes, os que são funcionários do traficante,
outros, as vítimas, os que sucumbiram às drogas
e não tem como pagar o que consomem.

Eu queria dizer-lhes algo.
Eu queria lhes falar que a vida é possível.
Que tudo irá mudar.
Começo a ensaiar um discurso pragmático, pra lhes dizer
que seria melhor usar uma droga lícita, ter outros prazeres, namorar
(os drogadinhos não têm tempo, nem forças para uma vida sexual),
quem sabe uma casa, um carro, ter saúde e alegria de viver.

Eu tento sonhar e estar vivo,
eu preciso acreditar que é possível mudar esse estado de coisas.

Então, ligo a televisão, e o que vejo?
Um líder religioso, na nação mais poderosa do mundo ocidental,
pasmem!,
a queimar o livro sagrado dos maometanos.
Um seguidor do homem mais amoroso que já pisou neste planeta,
a queimar um livro sagrado de outra religião!
Pior: a dirigir anátemas contra aqueles que não seguem a Bíblia dos cristãos.
Esse pastor é cidadão da nação
que tem os maiores centros de ciência do mundo,
as melhores escolas, a melhor qualidade de vida,
o melhor do melhor.
A nação que deveria ser modelo de civilização.
Mas, infelizmente, ele é o modelo, sim,
de uma civilização decadente e agonizante.
De uma civilização de surdos e cegos,
no pior sentido dado a essas palavras.
Surdos que não querem ouvir e cegos que odeiam ver.
A não ser que estejam diante de um espelho.

E agora:
o que vou dizer aos drogadinhos da esquina?
Que mundo eu vou lhes mostrar
para que eles se interessem em ficar sóbrios.
O pastor protestante queima o Corão,
como um dia o Papa queimou bíblias
traduzidas do latim para outras línguas.

E, de repente, surge na TV a imagem do ataque
aos funcionários da ONU, no Afeganistão.
Já não se destruirão torres.
Ambos os lados hão de matar os anônimos servidores da paz.

O desamor é via de mão dupla.
E o desamor fundamentado na religião,
na intolerância religiosa,
é uma imensa e louca rodovia
em que motoristas fanáticos pilotam seus carros na contra-mão,
em altíssima velocidade.

Eu quero sonhar, apesar desse mundo de loucos.
Eu quero sonhar.
Eu quero acreditar em um mundo melhor.
Mas os alicerces dessa civilização são grandes equívocos:
São simulacros de fé, em vez de fé.
São aparência de amor, em vez de amor.
São dessonhos.
São desesperanças.
São um milenar e arraigado desamor.
A civilização dos gregos, dos romanos, dos egípcios, dos persas,
toda essa história de guerras e de desamor
nos mostram as suas ruínas.
Agora há pouco, a URSS... fragmentou-se: sonho frustrado universal.
E em breve, USA e CHINA... dois bastiões do desamor, gerarão mais uma crise perversa e necrófila.

E eu devo admitir para os drogadinhos da esquina,
que foi essa civilização sem amor
que lhes ofertou o crack,
ao inventar a cocaína.
Depois das duas drogas, resta-lhes a ruína.

Por isso já não tenho mais como lhes falar de sonho.
Tragam-me flores, coroas de flores...
Perdoem-me, os otimistas,
mas meu sonho acabou.
No meu epitáfio quero que escrevam:
"Sr. Fulano de Tal.
Tentou inutilmente sonhar."



Eurico,
perdoem-me os senões e o desabafo.