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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Miguel Nicolelis: por uma Ciência Tropical


















Ao pensar o futuro da ciência no Brasil, boa parte dos pesquisadores brasileiros volta os olhos, automaticamente, sem pestanejar, para Estados Unidos, Europa e Ásia.

Miguel Nicolelis, um dos mais respeitados neurocientistas do mundo, não.

Formado em Medicina pela USP, ele está há 20 anos nos Estados Unidos, onde é professor e pesquisador na Universidade Duke. Já ganhou 38 prêmios internacionais por suas pesquisas. Dois deles, em 2010, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos.

Desde 2003 vive na “ponte aérea” Durham, Carolina do Norte (campus da Duke University) – Macaíba, Rio Grande do Norte, onde implantou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lilly Safra.

Em 11 de outubro, em entrevista a Luiz Carlos Azenha, Nicolelis afirmou ser desejável o desenvolvimento de uma “ciência tropical”. De lá para cá amadureu a ideia. Colocou “no papel” o que tem pensado sobre o tema nesses anos.
O resultado é o manifesto em defesa de um novo paradigma científico, que o Viomundo publica em primeira mão (abaixo da entrevista). Chama-se Manifesto da Ciência Tropical: Uso democrático da ciência para transformação social e econômica do Brasil.
“Optei por chamar o novo modelo de Ciência Tropical não por razões geográficas ou provincianas, mas porque é necessário caracterizarmos desde já o famoso onde, como e porque que permitiram a sua gestão”, explica o professor Miguel Nicolelis. “Afinal, esse novo modelo só teve condições de dar os primeiros passos e realizar as primeiras experiências nesses trópicos, que hoje oferecem à humanidade a mais fascinante esperança de preservar a própria espécie e o planeta.”
“É essa Ciência Tropical que vai possibilitar à humanidade manter e ampliar suas fontes de energia limpa, produzir alimentos e água potável necessários para bilhões de seres humanos”, traduz Nicolelis. “Também cultivar biomas naturais, de onde extrairemos novos medicamentos e curas para inúmeras doenças, preservar os serviços climáticos e ecológicos que manterão em cheque o aquecimento global e identificar novos agentes infecciosos capazes de destruir, numa única epidemia, toda a raça humana.”
De saída, esse novo modelo implica libertar a ciência brasileira da subserviência acrítica aos modelos importados e massificar a educação científica, observa Nicolelis nesta parte da entrevista que me concedeu. Ouçam.

É indispensável também investir pesado em ciência e tecnologia. “O investimento maciço em novas formas de explorar petróleo em alta profundidade foi que capacitou a Petrobras a ser o que ela é hoje”, exemplifica Nicolelis. “E isso é apenas a ponta do iceberg. A Ciência Tropical vai ditar a agenda mundial neste século XXI.”
Aqui, Nicolelis sugere como e por quê.

“Ninguém constrói uma nação com 10 mil pessoas de um bairro da cidade de São Paulo. Você precisa de todo o país”, assegura Nicolelis. “É esse casamento da saúde pública, particularmente a da mulher e a da primeira infância, com o projeto educacional brasileiro, público, que precisa ser feito”.

Para implementar essa revolução educacional, Nicolelis defende que o ideal seria unir a filosofia do educador Paulo Freire (1921-1997) com a de Alberto Santos-Dumont (1873-1932), inventor do voo controlado. Também que, do ponto de vista científico, os nossos parceiros estratégicos não são mais os Estados Unidos, Europa ou Ásia, mas a África e a América Latina. “Pode parecer paradoxal, mas é a pura verdade”, sustenta na última parte da nossa entrevista.

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Manifesto da Ciência Tropical: um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil
por Miguel Nicolelis

É hora da ciência brasileira assumir definitivamente um compromisso mais central perante toda a sociedade e oferecer o seu poder criativo e capacidade de inovação para erradicar a miséria, revolucionar a educação e construir uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

É hora de agarrar com todas as forças a oportunidade de contribuir para a construção da nação que sonhamos um dia ter, mas que por muitas décadas pareceu escapar pelos vãos dos nossos dedos.

É hora de aproveitar este momento histórico e transformar o Brasil, por meio da prática cotidiana do sonho, da democracia e da criação científica, num exemplo de nação e sociedade, capaz de prover a felicidade de todos os seus cidadãos e contribuir para o futuro da humanidade.

No intuito de contribuir para o início desse processo de libertação da energia potencial de criação e inovação acumulada há séculos no capital humano do genoma brasileiro, eu gostaria de propor 15 metas centrais para a capacitação do Programa Brasileiro de Ciência Tropical.
A implementação delas nos permitirá acelerar exponencialmente o processo de inclusão social e crescimento econômico, que culminará, na próxima década, com o banimento da miséria, a maior revolução educacional e ambiental da nossa história e a decolagem irrevogável e irrestrita da indústria brasileira do conhecimento.
Estas 15 metas visam a desencadear a massificação e a democratização dos meios e mecanismos de geração, disseminação, consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil.

1) Massificação da educação científica infanto-juvenil por todo o território nacional

O objetivo é proporcionar a 1 milhão de crianças, nos próximos 4 anos, acesso a um programa de educação científica pública, protagonista e cidadã de alto nível. Esse programa utilizará o método científico como ferramenta pedagógica essencial, combinando a filosofia de vida de dois grandes brasileiros: Paulo Freire e Alberto Santos-Dumont.
Ao unir a educação como forma de alcançar a cidadania plena com a visão de que ciência se aprende e se faz “pondo a mão na massa”, sugiro a criação do Programa Educação para Toda a Vida, do qual faria parte o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos -Dumont (veja abaixo). A porta de entrada se daria nos serviços de pré-natal para as mães dos futuros alunos do programa. Após o nascimento, essas crianças seriam atendidas no berçário e na creche, depois na escola de educação científica que os serviria dos 4-17 anos, para que esses brasileiros e brasileiras possam desenvolver toda a sua potencialidade intelectual e criativa nas duas próximas décadas de suas vidas.
O programa de educação científica seria implementado no turno oposto ao da escola pública regular, criando um regime de educação em tempo integral para crianças de 4-17 anos, por meio de parceria do governo federal com governos estaduais e municipais. Cada unidade da rede de universidades federais poderia ser responsável pela gestão de um núcleo do Programa Educação para Toda Vida, voltado para a população do entorno de cada campus.
O governo federal poderia ainda incentivar a participação da iniciativa privada, oferecendo estímulos fiscais e tributários para as empresas que estabelecessem unidades de educação científica infanto-juvenil, ao longo do território nacional. Por exemplo, o novo centro de pesquisas da Petrobras poderia criar uma das maiores unidades do Educação para Toda Vida.

2) Criação de centros nacionais de formação de professores de Ciência

A implementação do Programa Educação para Toda Vida geraria uma demanda inédita para professores especializados no ensino de ciência e tecnologia. Para supri-la, o governo federal poderia estabelecer o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos Dumont, que seria o responsável pela gestão dos centros nacionais de formação de professores de ciências, espalhados por todo território nacional. As universidades federais, os Institutos Federais de Tecnologia (antigos CEFETs) e uma futura cadeia de Institutos Brasileiros de Tecnologia (veja abaixo) poderiam estabelecer programas de formação de professores de ciências e tecnologia em todo o país.
Esses novos programas capacitariam uma nova geração de professores a ensinar conceitos fundamentais da ciência, através de aulas práticas em laboratórios especializados, tecnologia da informação e utilização de métodos, processos e novas ferramentas para investigação científica. Os alunos que se graduassem no programa Educação para Toda Vida teriam capacitação, antes mesmo do ingresso na universidade, para se integrar ao trabalho de laboratórios de pesquisa profissionais, tanto públicos como privados, através do Programa Nacional de Iniciação Científica e do Bolsa Ciência (veja abaixo).

3) Criação da carreira de pesquisador científico em tempo integral nas universidades federais

Seria em paralelo à tradicional carreira de docente. Ela nos permitiria recrutar uma nova geração de cientistas que se dedicaria exclusivamente à pesquisa científica, com carga horária de aulas correspondente a 10% do seu esforço total. Sem essa mudança não há como esperar que pesquisadores das universidades federais possam dar o salto científico qualitativo necessário para o desenvolvimento da ciência de ponta do país.

4) Criação de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia espalhados pelo país

Eles serviriam para suprir a demanda de engenheiros, tecnólogos e cientistas de alto nível e promover a inclusão social por meio do desenvolvimento da indústria brasileira do conhecimento. Atualmente o Brasil apresenta um déficit imenso desses profissionais.
Para sanar essa situação, o Brasil poderia reproduzir o modelo criado pela Índia, que, desde a década de 1950, construiu uma das melhores redes de formação de engenheiros e cientistas do mundo, constituída pela cadeia de Institutos Indianos de Tecnologia.
Para tanto, o governo federal deveria criar nos próximos oito anos uma rede de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia (IBT) e espalhá-los em bolsões de miséria do território nacional, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cada IBT poderia admitir até 5.000 alunos por ano.

5) Criação de 16 Cidades da Ciência

Localizadas nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Vale do Ribeira, Jequitinhonha, interior do Nordeste, Amazônia, as Cidades da Ciência ficariam no entorno dos novos IBTs.
As Cidades da Ciência seriam, na prática, o componente final da nova cadeia de produção do conhecimento de ponta no Brasil. Acopladas aos novos IBTs e à rede de universidades federais, criariam o ambiente necessário para a transformação do conhecimento de ponta, gerado por cientistas brasileiros, em tecnologias e produtos de alto valor agregado que dariam sustentação à indústria brasileira do conhecimento.
Nas Cidades da Ciência seriam criadas e estabelecidas as grandes empresas do conhecimento nacional, onde o potencial científico do povo brasileiro poderia se transformar em novas fontes de riqueza a serem aplicadas na gênese de um sistema nacional autossustentável. Tal iniciativa permitiria a inserção do Brasil na era da economia do conhecimento que dominará o século XXI.

6) Criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia

Esse verdadeiro cinturão de defesa, formado por um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, seria disposto em paralelo ao chamado “Arco de Fogo”, formado em decorrência do agronegócio predatório e da indústria madeireira ilegal, responsáveis pelo desmatamento da região. Essa iniciativa visa a fincar uma linha de defesa permanente contra o avanço do desmatamento ilegal, modificando a estratégia das unidades de conservação a fim de colocá-las a serviço de um Programa Nacional de Mapeamento dos Biomas Brasileiros.
Uma série de unidades de conservação poderia ser transformada em unidades híbridas. Assim, além da conservação, poderiam incluir grandes projetos de pesquisa que possibilitem ao Brasil mapear a riqueza e a magnitude dos serviços ecológicos e climáticos encontrados nos diversos biomas nacionais.
Para incentivar a participação de populações autóctones nesse esforço, o governo federal poderia criar o programa Bolsa Ciência Cidadã. Homens, mulheres e adolescentes, que vivem na floresta amazônica e conhecem seus segredos melhor do que qualquer professor doutor, receberiam uma bolsa, similar ao bolsa família, para integrarem as equipes de pesquisadores e responsáveis pela implementação das leis ambientais na região. Esse exército de cidadãos, devotado à investigação científica e à proteção da Amazônia, mostraria ao mundo o quão determinado o Brasil está em preservar uma das maiores maravilhas biológicas do planeta.
Evidentemente tal iniciativa poderia ser replicada em outras áreas críticas, também ameaçadas pela indústria predatória, como o Pantanal, a caatinga, o cerrado, a Mata Atlântica e os Pampas.

7) Criação de oito “Cidades Marítimas” ao longo da costa brasileira

A descoberta do pré-sal demonstra claramente que uma das maiores fontes potenciais de riqueza futura da sociedade brasileira reside no vasto e diverso bioma marítimo da nossa costa.
Apesar disso, os esforços nacionais para estudo científico desse vasto ambiente são muito incipientes. Aqui também o Brasil pode inovar de forma revolucionária. Em parceria com a Petrobras, o governo federal poderia estabelecer, no limite das 350 milhas marinhas, oito plataformas voltadas para a pesquisa oceanográfica e climática, visando ao mapeamento das riquezas no mar tropical brasileiro.
Essas verdadeiras “Cidades Marítimas”, dispostas a cada mil quilômetros da costa brasileira, seriam interligadas por serviço de transporte marítimo e aéreo (helicópteros) e se valeriam de incentivos à renascente indústria naval brasileira, para o desenvolvimento, por exemplo, de veículos de exploração a grandes profundidades.
Cada “Cidade Marítima” seria autossuficiente, contando com laboratórios, equipamentos e equipe própria de pesquisadores. Tais edificações serviriam também como postos mais avançados de observação dos limites marítimos do Brasil. Com o crescente desenvolvimento da exploração do pré-sal, essa rede de “Cidades Marítimas” poderia assumir papel fundamental na defesa da nossa soberania marítima dentro das águas territoriais.

8) Retomada e Expansão do Programa Espacial Brasileiro

Embora subestimado pela sociedade e a mídia brasileiras, o fortalecimento do programa espacial brasileiro oferece outro exemplo emblemático de como o futuro do desenvolvimento científico no Brasil é questão de soberania nacional.
Dos países pertencentes ao BRIC, o Brasil é o que possui o mais tímido e subdesenvolvido programa espacial. Apesar da sua situação geográfica altamente favorável, a Base de Alcântara não tem correspondido às altas expectativas geradas com a sua construção.
Essa situação é inaceitável, uma vez que, a longo prazo, pode levar o Brasil a uma dependência irreversível no que tange a novas tecnologias e novas formas de comunicação, colocando a nossa soberania em risco. Dessa forma, urge reativar os investimentos nessa área vital, definir novas e ambiciosas metas para o programa espacial brasileiro e esclarecer o papel da sociedade civil na operação dos programas da Base de Alcântara, cujo controle deveria estar nas mãos de uma equipe civil de pesquisadores e não das forças armadas.

9) Criação de um Programa Nacional de Iniciação Científica

Com a criação do Programa Educação para Toda Vida, seria necessário implementar novas ferramentas para que os adolescentes egressos desses programas pudessem dar vazão a seus anseios de criação, invenção e inovação através da continuidade do processo de educação científica, mesmo antes do ingresso na universidade e depois dele.
Na realidade, é extremamente factível que grande número desses jovens possa começar a contribuir efetivamente para o processo de geração de conhecimento de ponta antes do ingresso na universidade.
O governo federal poderia criar um Programa Nacional de Iniciação Científica que leve ao estabelecimento de 1 milhão de Bolsas Ciência. Uma experiência preliminar desse programa já existe no CNPQ, através do recém-criado programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Bastaria ampliá-lo e remover certas amarras burocráticas que dificultam a sua implementação neste momento. Esse programa poderia também ser usado pelo governo federal para eliminar uma porcentagem significativa (30%) da evasão do ensino médio, decorrente da necessidade dos alunos em contribuir para a renda familiar.
Jovens de talento científico reconhecido deveriam também ter a opção de seguir carreira de inventor ou pesquisador sem necessitar de doutorado ou outro curso de pós-graduação. Tal alternativa contribuiria decisivamente para a diminuição do período de treinamento necessário para que talentos científicos pudessem participar efetivamente do desenvolvimento científico do Brasil.

10) Investimento de 4-5% do PIB em ações de ciência e tecnologia na próxima década

Tendo proposto novas ações, é fundamental que essas sejam devidamente financiadas. Para tanto e, ainda, para assegurar a ascensão da ciência brasileira aos patamares de excelência dos países líderes mundiais, o governo brasileiro teria de tomar a decisão estratégica de destinar, nas próximas décadas, algo em torno de 4-5% do PIB nacional à ciência e tecnologia.
Em vários países, como os EUA, essa conta é dividida em partes iguais entre o poder público e privado. No Brasil, todavia, não existem condições para que isso ocorra de imediato. Dessa forma, não restaria outra alternativa ao governo federal senão assumir a responsabilidade desse investimento estratégico, usando novas fontes de receita, como a gerada pela exploração do pré-sal.

11) Reorganização das agências federais de fomento à pesquisa

Reformulação de normas de procedimento e processo para agilizar a distribuição eficiente de recursos ao pesquisador e empreendedor científico, bem como criar um novo modelo de gestão e prestação de contas.
A ciência e o cientista brasileiro não podem mais ser regidos pelas mesmas normas de 30-40 anos atrás, utilizadas na prestação de contas de recursos públicos para construção de rodovias e hidrelétricas.
Urge, portanto, reformular completamente todos os protocolos de cooperação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com outros ministérios estratégicos para execução de projetos multiministeriais.
Na lista de cooperação estratégica do MCT, incluem-se os ministérios da Educação, Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia, Indústria e Comércio, Agricultura, Defesa e Relações Exteriores. Normas comuns de operação dos departamentos jurídicos e dos processos de prestação de contas devem ser produzidas entre o MCT e esses ministérios, de sorte a incentivar a realização de projetos estratégicos interministerais, como o Educação para Toda Vida.
O cenário atual cria inúmeros empecilhos para ratificação de projetos estratégicos aprovados no mérito científico (o principal quesito), mas que, via de regra, passam meses e até anos prisioneiros dos desconhecidos meandros e procedimentos conflitantes com que operam os diferentes departamentos jurídicos dos diferentes ministérios.
Urge eliminar tal barreira kafkaniana e transferir o poder de decisão, atualmente nas catacumbas jurídicas dos ministérios onde volta e meia processos desaparecem, para as mãos dos gestores de ciência treinados para implementar uma visão estratégica do projeto nacional de ciência e tecnologia.

12) Criação de joint ventures para produção de insumos e materiais de consumo para prática científica dentro do Brasil

É’ fundamental investir numa redução verdadeira dos trâmites burocráticos “medievais” que ainda existem para aquisição de materiais de consumo e equipamentos de pesquisa importados. Para tanto, é importante definir políticas de incentivo ao estabelecimento de empresas nacionais dispostas a suprir o mercado nacional com insumos e equipamentos científicos.

13) Criação do Banco do Cérebro

Um dos maiores gargalos para o crescimento da área de ciência e tecnologia no Brasil é a dificuldade que cientistas e empreendedores científicos enfrentam para ter acesso ao capital necessário para desenvolver novas empresas baseadas na sua propriedade intelectual.
Na maioria das vezes, esses inventores e microempreendedores científicos ficam à mercê da ação de venture capitalists, que oferecem capital em troca de boa parte do controle acionário da empresa em que desejam investir.
Para reverter esse cenário, o governo federal poderia criar o Banco do Cérebro, uma instituição financeira destinada a implementar vários mecanismos financeiros para fomento do empreendedorismo científico nacional.
Essas ferramentas financeiras incluiriam desde programa de microcrédito científico até formas de financiamento de novas empresas nacionais voltadas para produtos de alto valor agregado, fundamentais ao desenvolvimento da ciência brasileira e da economia do conhecimento.
Para isso, o governo federal deverá exigir que esses novos empreendimentos científicos sejam localizados numa das novas Cidades da Ciência. Joint ventures entre empreendedores brasileiros e estrangeiros também deverão ser estimuladas pelo Banco do Cérebro, seguindo o mesmo critério social.

14) Ampliação e incentivo a bolsas de doutorado e pós-doutorado dentro e fora do Brasil

À primeira vista pode parecer contraditório propor metas para o desenvolvimento da Ciência Tropical e, ao mesmo tempo, reivindicar aumento significativo de bolsas de doutorado e pós-doutorado para alunos brasileiros no exterior.
Novamente, a proposta da Ciência Tropical é, antes de tudo, um nova proposta para o desenvolvimento de excelência na prática da pesquisa e educação científica. Dessa forma, ela tem de incentivar todas as formas que permitam aos melhores e mais promissores cientistas brasileiros complementarem sua formação fora do território nacional.
Como bem disse a presidente-eleita Dilma Rousseff durante a campanha: “ O Brasil precisa de seus cientistas porque eles iluminam o nosso país”.
Pois que os futuros jovens cientistas brasileiros tenham a oportunidade de se transformar em genuínos embaixadores da ciência brasileira e complementar seus estudos em universidades e institutos de pesquisa estrangeiros, líderes em suas respectivas áreas.
Esse processo de intercâmbio e “oxigenação” de idéias é essencial à prática da ciência de alto nível. Mesmo os cientistas brasileiros que optarem por ficar no exterior depois desse e treinamento poderão trazer dividendos fundamentais para o desenvolvimento da Ciência Tropical.

15) Recrutamento de pesquisadores e professores estrangeiros dispostos a se radicar no Brasil

Com a crise financeira, verdadeiros exércitos de cientistas americanos e europeus estarão procurando novas posições nos próximos anos. Cabe ao Brasil tirar vantagem dessa situação e passar a ser um importador de cérebros e não um exportador de talentos.
Historicamente, a academia brasileira tem inúmeros exemplos excepcionais de pesquisadores estrangeiros de alto nível que alavancaram grandes avanços científicos no Brasil. O Programa Brasileiro de Ciência Tropical só teria a ganhar com uma política mais abrangente, audaciosa e sistêmica de importação de talentos.


Conceição Lemes
in: Boca no Trombone

http://muitasbocasnotrombone2.blogspot.com/

Fonte da imagem:
Paulo Afonso Notícias

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sequipe promove palestras e oficinas para pacientes com câncer

Do JC Online


Tendo em mente que tratar o câncer é algo que vai além de medicamentos, passando pela saúde mental e espiritual dos pacientes e das pessoas que estão em volta deles, o Centro de Estudos Dr. Esdras de Queiroz Marques, do Serviço de Quimioterapia de Pernambuco (Sequipe), vai realizar nesta sexta (19) e sábado (20) o I Encontro Multiprofissional de Atenção Integral ao Paciente Oncológico e ao Cuidador - Um Olhar Além do Tratamento Convencional. Serão dois dias de atenção especial e diversão para 120 pacientes e cuidadores de entidades que tratam do câncer.

Nesses dois dias, além de participarem gratuitamente de palestras e oficinas, os pacientes poderão se maquiar e tirar fotos, como forma de reforçar a autoestima e combater o stress. O encontro foi pensado pelo Sequipe para mostrar os resultados positivos da evolução de métodos de diagnóstico e tratamento que aumentaram a sobrevida dos pacientes oncológicos.

O evento vai acontecer na sede da Associação Brasil-América (ABA), na Avenida Rosa e Silva, nos Aflitos, Zona Norte do Recife. Começa, na sexta-feira, a partir das 14h, e prossegue no sábado, durante todo o dia. Para participar basta levar uma cesta básica ou dois pacotes de fralda geriátrica, material que será doado ao Instituto Cristina Tavares (ICT), que se dedica a ajudar pacientes adultos com câncer. Todos os profissionais envolvidos com o evento estão participando gratuitamente.

Confira a programação:

Sexta-feira (19):

Das 14h30 às 15h10 - Saúde Mental e Câncer - Drº Dival Cantarelli
Das 15h10 às 15h50 - Sexualidade e Câncer - Drª Thereza Motta
Sessões de maquiagem e fotografias
Das 16h50 às 17h40 - Nutrição e Câncer - Nutricionista Ione Rodrigues
Das 17h40 às 18h20 - Odontologia e Câncer - Cuidados e Orientações - Drª Norma Tavares
18h30 - Show de Abertura com Irah Caldeira e Coquetel

Sábado (20):

Das 09h às 09h40 - Stress e Câncer – Drª Vânia Portela
Das 09h40 às 10h20 - Enfrentamento e Espiritualidade – Psicólogas Fátima Baudel e Arlete Fonseca
Sessões de maquiagem e fotografia
Das 11h20 às 12h - O Papel do Voluntariado no Apoio ao Paciente com Câncer – Drª Christiane Violet
Das 12h às 12h40 Direitos do Paciente Oncológico – Assistente social Andreia Melo
Das 14h às 17h30 - OFICINAS:
Arteterapia - Ser e Viver - Maria Adélia Piquet, Ana Luíza Dantas Cabral de Melo e Ana Luíza de Souza Leão
Musicoterapia - Luciana Frias e Eliane Teles



Fonte da notícia:
JC Online 18/11/2010

sábado, 16 de outubro de 2010

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito





por Tânia Bacelar de Araujo
(Doutora em Economia e Secretária de Planejamento de Miguel Arraes)


A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não “soubesse” votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa Família” serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas – teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).



A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.



A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.



Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.



Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.



Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.



Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro,a construção civil “bombou” na região.



A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais – antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos ( na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira “cidade da ciência” num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).



Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados ( seguro – safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.



Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.



Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma região plena de potencialidades.



E o voto agora é 13 !!!

Agradecimentos à amiga Valda Colares, de Olinda e do mundo!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

DE COMO CONQUISTAR OS ELEITORES DE MARINA






O que dizem os votos de Marina e como conquistá-los


Você pode discutir qual é o peso relativo dos três (não dois) grandes blocos de votos que contribuíram para os surpreendentes 20% de Marina Silva: 1) o voto estritamente marinista, verde, ecológico, que é crítico de algo maior que o PT, ou seja, de todo um paradigma desenvolvimentista que, ironia das ironias, o PT veio a representar melhor que ninguém; 2) o voto "ético"-jovem-universitário-profissional-liberal-urbano, uma parte dele (a maior, me parece) composta por desiludidos com erros ou presepadas do PT, e a outra parte (menor, me parece) composta por eleitores movidos pelo episódio Erenice; 3) o voto evangélico que, por sua vez, tampouco é homogêneo, posto que formado de uma parcela—menor, creio—de votantes que já estavam com Marina e outra parcela—maior, creio—que foi mobilizada em termos anti-Dilma às vésperas da eleição. Num debate que teria, de preferência, que se realizar com atenção aos mapas relevantes, poder-se-ia discutir à exaustão qual é a contribuição de cada um desses segmentos para o resultado final.

O que me parece indiscutível é que somente este último, o voto evangélico, chega como irrupção e acontecimento. Foi ele o grosso do voto não computado nas pesquisas. Isso me parece verdadeiro, mas não se pode pular daí para a afirmação de que foi o atraso quem impediu a vitória dilmista no primeiro turno. Essa linha de análise é sempre muito rasa.

Para a campanha de Dilma, a tarefa é dupla. Por um lado, há que se entender os recados dados por todos os segmentos que votaram em Marina, para que a partir daí ocorra a negociação e o convencimento desse eleitorado. Esses recados têm densidade, têm conteúdo, aludem a fatos reais e não se limitam, de forma nenhuma, a uma suposta “Marina no colo da direita”. Jogar por aí é não entender o jogo. Por outro lado, há que se analisar quais foram os erros de campanha de Dilma que ajudaram a impedir a esperada vitória no primeiro turno. Fazer as duas coisas já não é fácil. Fazê-las simultaneamente é mais difícil ainda, pois a primeira—ouvir realmente os eleitores de Marina—exige humildade, proximidade e empatia. A segunda tarefa—fazer a autocrítica da campanha—exige inteligência, desprendimento, distância. São duas tarefas aparentemente contraditórias, que demandam posturas e capacidades opostas, mas elas são simultâneas e complementares.

O fascinante do resultado de domingo é que todo mundo errou. Se alguém aí previu que Marina venceria em Belo Horizonte, Maceió, Distrito Federal, Nova Lima, Volta Redonda, Vitória, Vila Velha e Niterói, além de praticamente empatar com Dilma em Natal e superá-la em Campina Grande, levante a mão, mostre um link com data anterior a 03 de outubro, que eu visto uma camisa do Flamengo ou do Cruzeiro aqui, a gosto do freguês. Todo mundo errou nas previsões, inclusive o vitorioso de domingo na eleição presidencial, que foi claramente o campo marinista. Por isso o futebol, na sua imponderabilidade, é o esporte que mais tem a ver com a política democrática. Sim, trata-se do velho clichê da caixinha de surpresas, mas também do dado menos óbvio de que o futebol é o menos contábil dos esportes, e se há uma mensagem relevante que a campanha de Marina tentou transmitir é a crítica à redução do mundo a uma lógica contábil. Quando gente como Ricardo Paes de Barros, José Miguel Wisnik, Alexandre Nodari e Eduardo Viveiros de Castro coincidem numa candidatura que não é a sua, ou que não é a que você esperava que eles apoiassem, só um sectário muito desprovido de sensibilidade passaria à desqualificação sem uma escuta detida.

No campo dos erros, há que se destacar os estruturais, mais antigos, e os conjunturais, que se manifestaram de uma forma especialmente maluca nesta campanha. Os erros estruturais são parte do recado das urnas marinistas e não podem ser ignorados. O caso de Belo Horizonte é emblemático. Há exatos dois anos, o PT concluía 16 anos de governo de uma coalizão sua na cidade, com um prefeito que deixava o cargo com noventa por cento de aprovação. Esse prefeito, Fernando Pimentel, é diretamente associado a Dilma e é parte da cúpula de sua campanha. A cidade não tem qualquer tradição de antipetismo raivoso como aquele encontrado em partes de São Paulo e Porto Alegre. Como é possível que o resultado aqui tenha sido Marina Silva 39,9%, Dilma Rousseff 30,9% e José Serra 27,7%, num contexto de grande vitória da esquerda nas legislativas?

Essa parte me parece relativamente simples. As urnas disseram: “não gostamos das lambanças do PT-BH nas eleições de 2008 e do PT-MG em 2010, apesar de o PT ter governado bem a cidade. Votaremos em alguém que é suficientemente próxima aos ideais da bem sucedida prefeitura de 1992-2008, mas que se afastou do campo petista, em parte, por lambanças como essa”. Junte-se a esse recado mais estrutural a avalanche de desinformação e propaganda pra cima dos evangélicos nos últimos dias--essa avalanche realmente existiu—e você tem os ingredientes dos números que deixaram todos os junkies políticos belo-horizontinos de queixo caído. Os mesmos ingredientes se combinam em outras latitudes, como o Acre, um estado onde o PT tem fortíssimas raízes, elegeu o Governador e um Senador, mas no qual Dilma ficou empatada com Marina e bem longe de Serra. Se você é petista e não vê aí um recado além do “Marina está no colo da direita” ou do “Marina é a falência do movimento ecológico” (sim, isso foi escrito), sinto muito, você precisa ler a Flávia Cera.

É sabido que, por volta de dois meses atrás, um grupo de lideranças evangélicas procurou a campanha de Dilma, preocupadas com a disseminação de boatos e emails falsos. A campanha fez a “Carta ao Povo de Deus” e ficou por isso mesmo. Os programas de João Santana—excelentes, belíssimos, inovadores—não dedicaram um só minuto, no entanto, à refutação da pilha de spam religioso anti-Dilma disseminada para púlpitos e fiéis. A coordenação de internet não ofereceu respostas a isso. Preferiu brincar de Twitter e #ondavermelha. A campanha online foi feita à base do cada um por si, sem que se aproveitasse de forma coordenada a enorme base de recursos humanos da esquerda brasileira na rede.

Quando os evangélicos voltaram a procurar a campanha de Dilma, em setembro, o nível da loucura havia piorado sensivelmente. Algumas lideranças religiosas gravaram depoimentos de apoio à candidata petista, mas não houve uma resposta sólida e consistente da campanha. Os marqueteiros não são lá grandes fãs do potencial da rede e, por sua vez, a coordenação de internet de Dilma era pobre e fraca de ideias. É importante reconhecer isso sem que esse reconhecimento nos ensurdeça para o recado real das urnas marinistas, que transcende em muito o spam do ódio.

É evidente que temos que explicar que Michel Temer não é satanista. Aliás, podemos inclusive esclarecer que ele já fez pactos com o DEM mas, pelo que nos consta, com Satã nunca aconteceu. Mas é preciso fazer isso sem desmerecer ou desqualificar o recado dado pelas urnas marinistas em sua totalidade, sem reduzir o voto de Marina a qualquer um de seus blocos, muito menos o evangélico, justamente aquele que é mais conjuntural (apesar que não necessariamente menos numeroso) na constituição da identidade da sua candidatura.

Não há motivo para pânico. Marina tem muito mais a ver com Dilma que com Serra, e isso é o próprio Serra quem diz. Para nós, faltam 3 pontinhos. Para Serra, faltam quase 18. Marina sabe que coloca seu capital político em maus lençóis se apoiar alguém como Serra. Também sabe que não lhe interessa entregar nada de graça a Dilma agora, e há que se entender isso. É da política. Um petista reclamando que Marina não está agindo de forma a facilitar as coisas pra nós é como um lateral queixando-se de que um ponta o engana, fingindo que vai abrir o jogo para depois cortar para o meio. Ora, você tem que aprender a marcar. O jogo é jogado.

Ainda estamos bem, mas é preciso jogar com inteligência, humildade e decência e, acima de tudo, não deixar que nenhuma dessas qualidades atrapalhe as outras duas.



Escrito por Idelber às 04:55
em O Biscoito Fino e a Massa


fonte da imagem
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYoeSvqojYsOLGkM25UxiS_8dyj65lvW3qIQbWEye3cKnZzYVtoWoynFEivOkTLzqoZdyfDJOZgtCM5HMIZ4d85wLWHwqcACQrlqx1JbIMlcaGt4ur1R4jlLJrqaC-NjhSlWB0-1dgH3RO/s1600/Marina_e_Dilma.jpg


Agradeço ao Blog do Itárcio por ter me indicado essa bela postagem.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Marina: um projeto para o futuro





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Não pensem que joguei a toalha. De jeito algum. Em 1989, com o Lula, também passei por esse momento. Não desisti e votei nele em todas as eleições, até a vitória. Agora é a vez de um sonho maior. Marina Silva. Ecoconsciencia, ecossocialismo, economia solidária. Palavras novas que me dão o mesmo tesão para a luta, como desde os idos de 1989.
Estarei com esse projeto, Marina-Presidente, em todas as eleições em que for me dada a honra de votar nela, a nível nacional. (Luiz Eurico de Melo Neto)


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Marina é projeto para futuro, diz Cohn-Bendit






foto:Daniel Cohn-Bendit - Paris/1968














Texto de Sérgio Bueno, de Porto Alegre

Estrela do ato político no qual anunciou apoio à Marina Silva (PV) na disputa presidencial, o líder da bancada verde no Parlamento Europeu e ex-ativista do movimento estudantil de maio de 1968 na França, o alemão Daniel Cohn-Bendit afirmou ontem que a candidata brasileira é um "projeto para o futuro". De acordo com ele, o desempenho de Marina nas pesquisas é um "bom primeiro passo" para a consolidação na agenda ambiental no Brasil.
Conforme o parlamentar alemão, a conversão da economia para bases ambientalmente mais sustentáveis é um desafio de "longo prazo" em todo o mundo e mesmo que a candidata do PV seja derrotada no Brasil, ela deve continuar "construindo" um projeto ecológico para o país. Na opinião dele, a definição da eleição brasileira no primeiro turno é prejudicial não apenas para o debate ambiental, mas para a democracia em si.
Apesar de insistir que está entusiasmada com os índices obtidos nas últimas pesquisas, entre 8% e 10%, e que está confiante na possibilidade de ir para o segundo turno, a própria Marina comprometeu-se a prosseguir na militância ambiental caso não seja eleita. "Vou continuar como sempre fui; estou nesta luta deste os 17 anos", afirmou. Segundo ela, como "presidente da República, como professora ou como uma velhinha tricotando na varanda, ainda vou estar lá fazendo a mesma coisa".
Conforme Cohn-Bendit, parte da Europa está "atenta" às eleições brasileiras devido à importância e à capacidade do país de "dar os passos adequados" no caminho de uma transformação sustentável na forma de condução da economia. "Não pode haver uma reforma ecológica apenas na Europa. Ou isso é feito pelo planeta inteiro ou nada acontece. Por isso a eleição daqui é tão essencial para nós", afirmou.
Para o parlamentar, a principal disputa na eleição brasileira deste ano se dá entre Marina e a candidata do PT, Dilma Rousseff, que representam duas possibilidades distintas de desenvolvimento. "Uma (Dilma) tradicional, social-democrata, e outra (a candidata do PV) de transformação ecológica".
Segundo ele, a petista é hoje a principal oponente de Marina porque é quem lidera a corrida presidencial no país. Para Cohn-Bendit, tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT, de um lado, quanto o candidato do PSDB, José Serra, de outro, representam visões semelhantes sobre crescimento, embora os primeiros estejam mais próximos dos partidos socialistas da França e da Alemanha e o segundo, do "novo trabalhismo" do ex-premiê britânico Tony Blair.
A própria Marina tratou de reforçar a semelhança entre os dois adversários. "Dilma e Serra são muito parecidos porque têm uma visão " crescimentista " e gerencial, enquanto o Brasil precisa de uma visão estratégica". Ela ressalvou que considera Lula um "desenvolvimentista progressista, com olhar para o social", mas disse que ele assume uma posição "equivocada" do "crescimento pelo crescimento", no "estilo de uma liderança velha, ultrapassada".
Cohn-Bendit disse ainda que a exemplo dos parlamentares "verdes" europeus - que ocupam 55 cadeiras e são a quarta força do Parlamento do continente - os deputados brasileiros do PV podem obter melhores resultados na disputa pelo fortalecimento da agenda ambiental se trabalharem para constituir maiorias em torno de questões específicas como a redução de emissões e a economia de energia. "É preciso criar movimentos sociais através do Parlamento", comentou.
Marina reconheceu que o PV brasileiro tem lições a aprender com os "verdes" da Europa, mas afirmou que o "movimento contrário" é mais comum. "Em vários lugares do mundo o Partido Verde tem se interessado pela experiência do Brasil porque aqui começamos, desde a época do Chico Mendes (ex-seringueiro defensor da preservação da Amazônia assassinado em 1988), a colocar a questão ambiental não como a defesa do verde pelo verde, mas colocando o caráter social, econômico e político dessa questão".


Fonte do texto de Sergio Bueno:
Daniel Cohn-Bendit
político alemão, líder da bancada verde no Parlamento Europeu e ex-ativista do movimento estudantil de maio de 1968 na França,.

Fonte da imagem:
Mulheres no poder

domingo, 12 de setembro de 2010

MORRE O MOTO




(Transcrevo aqui este antológico artigo do historiador
Luiz Antonio Simas, solidário com as palavras e com as idéias que ele traz para dar luz a um tema tão lamentável quanto contemporâneo, e que oportuniza a reflexão sobre as nuanças culturais e antropológicas do futebol no Brasil):



"Recebi hoje a confirmação de uma notícia lamentável. O Moto Club de São Luís, um dos principais clubes do Maranhão, dono de imensa torcida, encerrou as atividades no futebol profissional neste último dia 27 de agosto. A diretoria do Moto declarou não ter mais condições para manter o time diante das demandas do futebol atual [leia-se: falta grana].


Lamentável, rigorosamente lamentável , mais esse capítulo da transformação do futebol brasileiro em um ramo do big business, da consolidação dos clubes como valhacoutos de escroques travestidos em empresários e da proliferação de jogadores-celebridades desvinculados da história e das tradições dos times.


Morre o Moto no momento em que morrem também as camisas dos clubes, mantos sagrados transformados em vitrines de exposição de toda a sorte de produtos: telefonia celular, pomada de vaca, plano de saúde, leite condensado, funerária, montadora de automóvel, empresa da construção civil e quejandos. Dia chegará em que os escudos serão tirados da camisa para sobrar espaço pra mais um jabazinho e ninguém perceberá.


Morre o Moto em nome da gestão empresarial, da modernização dos estádios, do estatuto do torcedor, dos fabulosos investimentos para a realização da Copa de 2014, dos técnicos com salários de quinhentos mil reais, dos bandidos da bola e dos apóstolos dos gramados e seus moralismos de ocasião.


Morre o Moto como corre o risco de desaparecer a tradição do tambor de crioula do Maranhão. Nas palavras de um velho tambozeiro que conheci em Alcântara, os lugares onde se podia escutar o tambor são agora destinados ao reggae, para a alegria de antropólogos moderninhos e antenados que vêem em qualquer mistureba uma prova de vitalidade cultural. Viva o moderno e que se dane o eterno, goza o deus mercado.


Morre o Moto como pode morrer a Casa das Minas, venerável matriz da religiosidade afro-maranhense. As moças mais novas, dizem as velhas do tambor, não se interessam mais pelo legado de voduns e encantados e não há mais tempo disponível para o longo aprendizado do mistério demandado pelo Tempo maior.


E alguém, por acaso, sugere o que deve fazer o torcedor do Moto? Escolhe outro clube, com a naturalidade de quem muda de roupa e troca um objeto quebrado pelo novo? E os senhores de setenta e poucos anos que viram e viraram Moto durante a conquista do título da Copa Norte-Nordeste de 1947 e do Torneio Campeão dos Campeões do Norte em 1948?


E a nova geração - os netos dos fundadores e torcedores do velho Moto Club, o Papão do Norte, Rubro-Negro da Fabril - torcerá para quem? É simples. Os moleques torcerão, evidentemente, pela Inter de Milão, Barcelona ou Milan. Viva a globalização! Ou, na melhor das hipóteses e como é comum ocorrer, pelos clubes grandes do sul maravilha. Mas, ai deles, não terão o pertencimento que só o clube da aldeia é capaz de proporcionar.

O velho torcedor, e como é duro constatar isso, está morrendo. Em seu lugar surge o cliente dos tempos do futebol-empresa. Somos agora, os que queremos apenas torcer pelo time, tratados como clientes nos estádios, consumidores em potencial de jogos, pacotes televisivos, produtos com a marca da patrocinadora e outros balacobacos.


Morre o Moto como morre a aldeia, a terra, a comida da terra, a várzea, a esquina e o canto de cada canto. Morre o Moto como amanhã dançará, no corpo da última sacerdotisa do Tambor de Mina, o derradeiro encantado em pedra, flor, areia e vento da praia do Lençol.


Morre o Moto como morrerá, em alguma madrugada grande, o último tocador do tambor de crioula e com ele a arte de evocar no couro a memória dos mortos. Ninguém saberá como bater o tambor que convida os ancestrais a bailar entre os vivos. Seremos apenas - e cada vez mais - homens provisórios, desprovidos da permanência que só a ancestralidade e a comunidade garantem.

Morre o Moto enquanto se desencanta o mundo."


Postado por Luiz Antonio Simas em 31/08/2010, às 11:34
In: http://hisbrasileiras.blogspot.com/2010/08/morre-o-moto.html


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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

As TVs privadas e o Império Romano





Por Luis Eustáquio Soares em 10/8/2010



Numa época de eus, euzinhos e euzões, a acionar suas edípicas bombas narcísicas, financeiras, luxuosas, televisivas, publicitárias, sem lastro no reino das necessidades coletivas, reino da verdadeira liberdade; numa época assim, de eucentrismos, o elogio a personalidades políticas, televisivas, artísticas não faz falta alguma; é mesmo dispensável.

A nossa época (e todas as outras precedentes) é a de João-e-Maria-Ninguém; época de qualquer um, de anônimos, abandonados, perdidos; época antes de tudo daqueles e daquelas que veem cair sobre suas cabeças, neste momento, bombas com fósforo branco ou com plutônio empobrecido, no Iraque, Afeganistão no Iêmen, na Palestina, na Somália e em muitos outros lugares que desconhecemos.

É por isso que é possível dizer que os mais contemporâneos povos do mundo; os mais civilizados, democráticos, atuais, modernos e pós-modernos são esses que se tornaram vítimas da fúria bárbara e genocida de dispendiosos eu multinacionais, eu Estados Unidos, eu forças bélicas, eu monopólio e oligopólios midiáticos, eu Comissão Europeia, eu Clinton – marido e esposa –, eu Obama: eus que são os mais anacrônicos, os mais antidemocráticos, os mais arrogantes e ditadores da nossa atual cibernética civilização porque são os eus que manipulam, mentem, dividem, agridem, humilham, assassinam e traficam drogas de mercadorias inúteis e bélicas pelo mundo afora e, em nome de nos obrigar a comprar esses estupefacientes da democracia dos ricos, ameaçam como nunca extinguir a vida de todo o planeta.



Os traficantes como ideais de ego


E ameaçam não através de mera retórica ou gestos enraivecidos, de vez que ameaçam na prática, exercitando, com apoio midiático, a extinção da vida na Terra; ameaçam, assim, matando milhões de humanos e não humanos, sem que nenhum tribunal do mundo tenha sequer sugerido vestígios de mínima criminalidade.

E não é mesmo surpreendente, revelador e surrealista que, num contexto assim, as cadeias estejam cheias de pobres, exatamente aqueles que não podem comprar as drogas mercadológicas e luxuosas que intoxicam todo o planeta? E também não é mesmo incrível e inimaginável que esses fabulosos eus cínicos, criminosos, mentirosos e ditadores plutocratas sejam editados e apresentados, por nossas TVs privadas, como os mais magnânimos, alegres, civilizados e democráticos viventes?

Numa época em que as luxuosas e tecnológicas mercadorias de longe são mais importantes que as pessoas (inclusive mais importantes que os eus que mencionei antes, porque estes eus, na verdade estão a serviço delas, das mercadorias, como verdadeiros traficantes); numa época assim não é mesmo de chorar de rir ou rir de chorar que tenhamos um tipo, na TV privada brasileira, como o Datena, que berra diante das câmeras exigindo mais punição, mais cadeias, mais rigor das leis para pobres coitados – ainda que traficantes, ainda que assassinos – enquanto que os verdadeiros traficantes estão à solta e são pintados por nossas privadas TVs como ideais de ego?

Quer dizer que, em nossa maluca época, os grandes traficantes, os que fabricam e distribuem as drogas de mercadorias, que cada vez mais transformam o planeta num lixão, envenenando terras cultiváveis, mares, rios; quer dizer que, insisto, esses grandes traficantes são divinizados e transformados em ideias de ego por nossas privadas TVs e estas mesmas se assustem quando alguns poucos dos muitos abandonados pobres (que não tiveram a chance de estudar, de morar, de viver com dignidade) são apresentados como a causa única da violência e da insegurança geral em que vivemos, só porque têm os grandes traficantes como ideais de ego e os imitam, como crianças que imitam os seus adorados pais?



Fabulosas e endeusadas mercadorias


Mas não é a mesma TV privada que adora a droga do dinheiro da publicidade dos grandes traficantes? Então quer dizer que, como fiéis telespectadores, os nossos pobres traficantes passam a imitar os grandes traficantes, exatamente porque, dentre outras possibilidades, sempre viram muita TV?

Então quer dizer que nossa privada TV estimula a violência? Por que, então, como respeitável juiz de exceção do tribunal televisivo, Datena não diz que tem que ter leis mais rigorosas para as nossas privadas TVs? Por que ele não pede cadeia para o dono da TV Bandeirante, se for realmente verdade que, como privada TV, a Bandeirante realize diariamente adoração dos grandes traficantes de mercadoria do mundo? Ou traficante é só aquele ilegal, que trafica drogas proibidas? Nesse caso, quer dizer que as drogas das mercadorias – fabricadas por legais mercadores – é menos droga que as drogas ilegais?

E esses traficantes, para fabricarem suas mercadorias-carro, suas mercadorias-petróleo, suas mercadorias-dinheiro, suas mercadorias-fármacos, suas mercadorias-televisão, suas mercadorias-religião, não submetem a vida na Terra a um stress sem tamanho?

E depois de um processo movido contra o planeta, um judicial, de exceção, processo global de produção de mercadoria, esses grandes traficantes de drogas de mercadorias não dividem a Terra em duas regiões: a região que oferece matérias-primas e aquela outra que utiliza e confecciona matérias-primas, transformando-as em fabulosas endeusadas mercadorias?



Apresentador erra o foco


E essa divisão entre os fornecedores de matérias-primas e os magos que as transformam em coloridos narcóticos de tecnologia não tem relação alguma com a destruição do meio ambiente, a depredação de terras indígenas, as guerras genocidas entre etnias, as misérias demais de um lado do planeta e a riqueza concentrada de outro?

E não é verdade que pessoas que ganham fortunas astronômicas são igualmente aquelas que podem comprar as drogas das mercadorias, as drogas mais desejadas pelo conjunto drogado de nossa narcótica civilização mercadológica? E não é verdade que essas pessoas, chamadas de elites econômicas, não são as que reforçam a divisão entre pobres fornecedores de matérias-primas, inclusive a matéria-prima corporal, como tráfico de mulheres, de órgãos, de crianças, prostituição; e seus ricos compradores?

E isso tudo não é absolutamente injusto e violento e está intimamente relacionado com a violência urbana, cometida por pobres fornecedores de matérias-primas, como maconha, craque, cocaína, num mundo tão surrealista, como o nosso, que proíbe essas matérias-primas, transformando em criminosos aqueles que as produzem e as traficam e ao mesmo tempo libera, legalmente, na outra ponta, o cultivo e a fabricação de outras drogas mercadológicas ainda mais nefastas para todo o sistema-mundo?

E não é verdade que o Datena erra o foco ao berrar diante das câmeras, exigindo severas punições aos violentos pobres fornecedores de matérias-primas, num mundo, como o capitalismo, que o tempo todo solicita e toma dos pobres do mundo essas matérias-primas porque não podem viver sem elas, bastando considerar o caso dos Estados Unidos, país que mais as consome, quando não é o país que mais as produz; quando não é igualmente o que mais se beneficia delas porque as transforma em papel-moeda, em dólar, que inclusive depois é utilizado para pagar a fabricação de armas para massacrar povos e roubar suas matérias-primas?



A máquina de dissecação dos ricos


E não é mesmo risível, difícil de acreditar, que todo sujeito que tenha a petulância – além de consciência não narcótica – de dizer não a esses farsantes drogados do Eu sou o mais civilizado ou Eu sou o mais democrático ou Eu sou o mais bem-sucedido sejam imediatamente acusados de serem ditadores, antidemocráticos, traficantes,terroristas; aqueles que não respeitam a liberdade de expressão ( que é a liberdade de circulação da droga da mercadoria entre fornecedores de matérias-primas e seus beneficiários ricos), por nossas privadas TVs privadas?

E se esse mesmo sujeito não for mais um sujeito isolado e tiver consigo uma multidão de outros sujeitos? E se essa multidão de outros sujeitos for o povo sem território, de um território sem povo, de uma nação cheia de petróleo, que é o combustível, a matéria- prima, que alimenta os motores desse modelo narcotizado em que vivemos?

E se, na América Latina, esse território sem povo e esse povo sem território for a Venezuela? E não é lá, na Venezuela, que esse povo sem território de repente foi percebendo, votando n vezes no Hugo Chávez, que o território de seu povo não é o território do sistema de êxtase das privadas TVs, que sempre acusam de horda de bandidos o povo, quando este consegue finalmente identificar o território de sua saída da pobreza, como fazem, de resto, as privadas TVs no Brasil, com o MST, que nada mais o é que um povo em busca do território de sua justiça, diferente, nesse caso, do povo Palestino, cujo território foi tomado por um povo, que também buscava seu território, como o povo Hebreu, e que o encontrou se apropriando do território de outro povo?

Esse é o erro crasso do povo hebreu, especialmente de sua despótica elite drogada: um povo não pode tomar um território de outro, porque um povo é todo o povo; é todo, vale dizer, o território povo do planeta, que é o povo por excelência, o planeta povo. Por isso um povo é vida, porque busca o território de sua vida, sem lastro em cosmogonias, mitos, deuses, sangues azuis.

Pois muito bem, porque Hugo Chávez se tornou o corpo civil-democrático do território de seu povo, sem cessar nossas privadas TVs o acusam de ser terrorista e alimentam o narcotizado consenso de que a Venezuela tem que ser salva de seu povo, que não entende que o povo tem que ser mesmo sem território, sem vida, para que o território do povo esteja à disposição da máquina de dissecação dos ricos do planeta.



O candidato da extrema-direita


E se esse consenso, que as privadas TVs ajudam diariamente a sedimentar, de que todo povo que busca seu território é um povo que precisa ser invadido porque lá, nesses lugares em que o povo sem território parece encontrar, ainda que contraditoriamente, o democrático caminho de seu povo; enfim e em começo, e se esse consenso for apenas uma estratégia bélica para justificar a invasão desses povos, e a destruição de seu povo, como aconteceu no Iraque, que foi invadido depois que as privadas TVs de todo o mundo sedimentaram o consenso de que lá, no Iraque, existiam armas de destruição em massa, razão pela qual a massa drogada das armas de destruição dos ricos do planeta é que acabou destruindo o Iraque, jogando bombas em sua infra-estrutura, sua cultura milenar e matando quase todo o seu povo, agora realmente sem território, sem o Iraque?

Nesse caso, é verdade que as privadas TVs de todo o mundo são uma importante etapa bélica de desinformação e narcotização dos povos, a fim de, em seguida, preparar o caminho da invasão dos territórios dos povos que buscam democraticamente o seu caminho de justiça?

E se essa última pergunta for verdadeira, é verdade que, dizendo que Hugo Chávez é um ditador, as nossas privadas TVs não estarão preparando o caminho para uma guerra na América Latina?

Será que uma guerra na América Latina não teria como objetivo, além de massacrar o povo venezuelano, também fabricar o terrorismo televisivo de que, para que a guerra não chegue ao Brasil, é preciso que o povo brasileiro vote no Serra? Será que é por isso que o Serra e seu vice andam dizendo que o PT é amigo das Farcs? Será que é só através de uma guerra, inclusive televisiva, que Serra, como candidato da extrema-direita, pode ganhar a eleição no Brasil?



A cabeça de Chávez numa bandeja de prata?


E por que uma guerra das TVs privadas do mundo todo, inclusive no Brasil, há muito tempo já está ocorrendo na Venezuela, contra o povo venezuelano? Não será porque Hugo Chávez foi o São João Batista de toda busca pela justiça dos povos atuais do mundo, numa época em que o consenso das privadas TVs já não permitia que falássemos em socialismo, comunismo, pós-capitalismo, luta de classes, imperialismo, expressões consideradas até então, antes de Chávez, anacrônicas?

Nesse caso Hugo Chávez não seria também o São João Batista do Lula da Silva no Brasil? E como reagiriam nossas privadas TVs se Lula da Silva aceitasse, humildemente, ser batizado por Chávez no caudaloso e petrolífero Rio Orinoco, na Venezuela, repetindo, como um ritual festivo de futuras justiças para os povos de todo o mundo, o ritual que teria ocorrido no Rio Jordão, onde São João Batista teria batizado Cristo?

Chávez é, então, tal como São João Batista, o precursor da possibilidade de salvação dos povos do mundo?

E se Herodes for os ditadores ricos dos tempos atuais, quer dizer que as nossas privadas TVs equivalem ou fazem o papel de Herodíades; de esposa de Herodes, aquela maliciosa mulher que pediu a cabeça de São João Batista, como prêmio?

Então as privadas TVs estão mesmo a serviço do Império Romano?

Quem quer a cabeça de Hugo Chávez numa bandeja de prata, quer também a cabeça do povo?



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Fonte do texto:
MÍDIA & GEOPOLÍTICA (in Observatório da Imprensa)

Fonte da imagem:
Coliseu

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Telemarketing ou A Praga do Gerundismo




Transcrevo aqui, por ser interessante compartilhar com os amigos, o ensaio de Ricardo Freire, que encontrei no Digestivo Cultural, cujo título original é:


PARA VOCÊ ESTAR PASSANDO ADIANTE


"Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela internet.

O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.

Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.

Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a ponto de estar estourando.

O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.

As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia a dia.

Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo.

Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.

A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade linguística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?" ou "Quando que cê vai tá viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa".

Deus, o que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?

A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma idéia" e outros menos votados.

A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?"


Nota do Editor do Digestivo Cultural:

Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na coluna Xongas, no Jornal da Tarde, em 16 de fevereiro de 2001 e posteriormente incluído no livro As cem melhores crônicas brasileiras. Leia também "Telemarketing, o anti-marketing dos idiotas" e Entrevista com Ricardo Freire.

Ricardo Freire
São Paulo, 23/3/2009
Fonte do texto:
Digestivo Cultural

domingo, 27 de junho de 2010

Por uma civilização da ternura























A herança de Comboni - Por uma civilização da ternura
Por: ALEX ZANOTELLI, Missionário Comboniano



Por todo o lado, injustiça, guerra, sede de domínio, esbanjamento, exploração, destruição, esgotamento dos recursos. O sistema mantém e reproduz o mal, o pecado é idolatrado como instituição. Para recuperarmos o grande sonho de Deus, tem de nascer o homem novo – o homem planetário. Urge construir a civilização da ternura. Todos juntos.


Mudar o Mundo, Um Desafio para a Igreja era o título de um livro publicado em França em 1980, escrito por Vincent Cosmao, director do Centro Lebret. Foi Lebret, dominicano francês, muito estimado por Paulo VI, quem fez o primeiro rascunho da encíclica Populorum Progressio e inventou o slogan «Mudar o mundo». Esse livro marcou-me profundamente. Havia entrado recentemente para a redacção da revista Nigrizia, e o pensamento do padre Cosmao influenciou-me muito. E ainda hoje conserva uma fulgurante actualidade.

O padre Cosmao, que detinha uma notável experiência de serviço em Dacar (Senegal), baseia-se em quatro pontos fundamentais: «O Evangelho, Boa Nova anunciada aos pobres, é a força de Deus para a transformação do mundo.»; «a tradição judaico-cristã é atravessada por uma sequência, descontínua, de tentativas para regulamentar a tendência da sociedade em estruturar-se na desigualdade.»; «o empenho pela justiça ou contra a injustiça é uma das linhas de força da prática e da pregação dos profetas.»; «a prática e a pregação de Jesus põem em relevo o direito dos pobres a participarem na vida colectiva e nos seus frutos.»

Estes pensamentos de Cosmao, que resumem as escrituras hebraicas e cristãs sobre este assunto, foram reforçados e enriquecidos em mim com a leitura e a prática das comunidades dos pobres no Sul do mundo, sobretudo em Korogocho (bairro de lata de Nairobi), e com o aprofundamento bíblico feito por peritos norte-americanos, que viveram e vivem em comunidades de resistência. Um deles, Walter Brueggeman, explica assim no seu livro The Prophetic Imagination as novas intuições sobre a tradição judaico-cristã: Javé confiou ao seu servo Moisés o seu «grande sonho» (Salmo 106) para que o seu povo, Israel, pudesse viver como comunidade alternativa aos impérios ou às cidades-estados do Médio Oriente. Cada império desenvolve-se numa economia de opulência (poucos ricos de barriga cheia à custa de muitos mortos de fome!), que requer uma política de opressão abençoada por uma religião onde deus se torna o deus do sistema.

Pelo contrário, Deus sonha que o seu povo se torne uma comunidade alternativa ao império. Para isso, tem de perseguir uma economia de igualdade (onde os bens, como a terra, sejam divididos com justiça), que se poderá conseguir unicamente se se adoptar uma política de justiça. Tudo isto pode ser possível se Deus for entendido como o «totalmente outro», como o radicalmente livre e, portanto, não seja o garante da ordem imperial. Javé é aquele que está do lado dos oprimidos, dos escravos, dos marginalizados... e, por isso, questiona qualquer império que crie excedentes! E quando Israel atraiçoa esta tradição (com Salomão), surgem os profetas que recordam ao povo o sonho de Deus e, em nome desse sonho, colocarão o dedo na ferida em carne viva.


O grande sonho de Deus


Jesus encarnou aquele sonho de Deus, que nele tomou um rosto («o Verbo fez-se carne») e o proclamou naquela Galileia espezinhada pelo imperialismo romano que sugava o sangue daqueles pobres camponeses (a Boa Nova aos pobres!).

Ao povo da Galileia que «jazia nas trevas e na sombra da morte», como Mateus afirma, Jesus anunciou a esperança. «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres... a proclamar a libertação aos cativos... e um ano favorável da parte do Senhor» (Lc. 4, 18-19). Segundo Lucas, Jesus teria proclamado o ano jubilar, que não era senão uma maneira de fazer regressar o infiel Israel àquela economia de igualdade que Javé sonhava para o seu povo. «Anunciar a Boa Nova aos pobres significa mudar as realidades socioeconómicas e espirituais fundamentais dos camponeses endividados, de gente sem terra, desempregados, escravos», afirmam as duas biblistas americanas R. e G. Kinsler. «É importante notar que o ano de graça que Jesus proclamou como chegada do reino de Deus não era mais um ano em cada sete ou um ano em cada cinquenta, mas uma nova era de libertação perpétua de todos os géneros de opressão para todo o povo de Deus.»

Jesus, naquela Galileia esmagada sob o tacão imperial romano, relança de forma solene o grande sonho de Deus, partindo daqueles pequenos grupos ou comunidades nas aldeolas da região que haviam acolhido a sua mensagem. «A intuição de Jesus não era guiar os seus seguidores para comunidades desencarnadas, mas criar comunidades alternativas que pudessem resistir e desafiar os sistemas de poder, como Ele mesmo fez, pagando pessoalmente», escrevem Richard Horsley e Neil Silberman nos seus estudos The Message and the Kingdom. «O reino de Deus que Jesus proclamava era precisamente aquela ordem socioeconómica e espiritual anunciada na lei e nos profetas e condensada na visão do sábado-jubileu. Jesus renovou a memória subversiva das tribos de Javé e a expectativa do reino de Deus nas aldeias da Galileia.»

A novidade surgia assim vinda de baixo em agradáveis comunidades alternativas onde se pregava o acolhimento, o perdão recíproco, e dos inimigos, a remissão das dívidas, o «partir o pão» (símbolo daquela economia de igualdade do grande sonho de Deus!).

Jesus, andando pelas aldeolas da Galileia, fazia nascer a vida, florescer a esperança. «Vim para que tenham vida e a tenham em abundância», diz Jesus no Evangelho de João. Quem deseja e luta pela vida, e vida em abundância, num sistema de morte, será tido como uma séria ameaça ao próprio sistema, ao império.

E quando Jesus resolve marchar sobre Jerusalém com a pobre gente da Galileia, o sistema reagirá condenando-o à morte na cruz reservada por Roma aos escravos e aos instigadores contra o Império. Jesus foi crucificado fora dos muros de Jerusalém. E a esse crucificado o Abba (Papá) manteve-se fiel. «Está vivo! Ressuscitou!» E em seu nome aqueles primeiros discípulos relançarão o grande sonho de Deus que se exprimirá através das comunidades alternativas de Jerusalém (Actos dos Apóstolos), das comunidades paulinas alternativas ao império (as cartas de Paulo) e das seitas ekklesiai do Apocalipse alternativas ao ethos imperial.


Sistema de morte


Infelizmente, tornando-se, com Constantino, a religião do império, o cristianismo perde a sua função de ser consciência crítica, transformando-se, em vez disso, em religião civil.

Para sair desta situação, Vincent Cosmao propõe outros quatro pontos fundamentais: «Tornando-se religião civil do Ocidente, o cristianismo perdeu, com o andar dos tempos, a sua capacidade de resistir efectivamente à reestruturação das sociedades na desigualdade.»; «recusando tornar-se religião civil do mundo, o cristianismo reencontra a sua possibilidade de se tornar mensageiro das esperanças dos pobres.»; «quando Deus é visto como guardião da ordem, o ateísmo torna-se a condição da transformação social.»; «a leitura crítica da história da Igreja é a condição dolorosa do relançamento do cristianismo como movimento histórico.»

Só se soubermos, como cristãos, voltar a ser consciência crítica da sociedade encontraremos toda a força subversiva do Evangelho, boa nova para os pobres. «Dado que o mundo se estruturou no pecado – prossegue Cosmao –, a participação na sua transformação torna-se condição da conversão a Deus em Cristo Jesus.»

É evidente que o mundo de hoje «se estruturou no pecado». O nosso é um sistema de morte. Vivemos dentro de um sistema económico-financeiro que massacra milhões de seres humanos. São as grandes potências financeiras que governam o mundo (300-400 «famílias»!). É a dívida colossal de 2,500 mil milhões de dólares a sufocar os pobres, que todos os anos pagam aos ricos 200 mil milhões de dólares. São os pobres a pagar a dívida com a fome e a falta de remédios, escolas, hospitais... Hoje, com as novas tecnologias, os pobres já não têm qualquer utilidade como «força de trabalho», mesmo pagos com salários de miséria, transformam-se nos novos marginalizados, em excedentes! Mais de mil milhões de seres humanos são considerados inúteis. Vinte por cento da população mundial detém e consome 83 por cento dos recursos. Os restantes 80 por cento apenas recolhem as migalhas: 17 por cento! De facto, 60 por cento (os pobres) têm de se contentar com 15,6 por cento dos recursos, enquanto para os 20 por cento dos mais pobres (os miseráveis) apenas resta 1,4 por cento dos recursos. No Sul do mundo, em apenas 10 anos, o número dos miseráveis aumentou quase 100 milhões.

No último relatório da Unicef (2002) afirma-se que em 2001 morreram 11 milhões de crianças com doenças menos graves que uma gripe. Hoje estão a regressar doenças que pareciam debeladas: em 2001, a doença do sono matou 300 mil pessoas, a tuberculose oito milhões. E a malária, em África, mata mais que a sida.

A decisão das multinacionais farmacêuticas americanas e europeias de proibirem a produção de remédios anti-sida no Sul do mundo acarreta a morte a 28 milhões de doentes de sida na África. Ainda em 2001, cerca de 120 milhões de crianças não puderam frequentar a escola primária! Este sistema económico-financeiro declarou guerra aos pobres, é a guerra mundial que mata 30-40 milhões de pessoas por ano!

Surge espontânea a pergunta: como pode um sistema destes aguentar-se? Como pode 20 por cento da população mundial continuar a consumir 83 por cento dos recursos? E a resposta é só uma: as armas! Porque os 20 por cento estão armados até aos dentes! As armas servem para manter privilégios e riquezas!


A guerra infinita


Em 2002, os EUA investiram algo como 500 mil milhões de dólares na defesa! A que é preciso acrescentar ainda os 60 mil milhões de dólares concedidos pelo Congresso a pedido de Clinton para renovar todo o arsenal atómico. Sem esquecer 50-70 milhões de dólares para a construção do escudo espacial, que nos custará, quando os trabalhos estiverem terminados, 300 mil milhões de dólares. E, por fim, a guerra do Iraque, que já custou aos EUA cerca de 80 mil milhões de dólares.

As armas são o motor da economia. O nosso é um sistema económico-financeiro militarizado. É um sistema permanentemente em guerra. A guerra contra o Iraque é apenas o início: é uma guerra infinita. É um nunca acabar de guerras: há mais de 40 conflitos no mundo! A África encontra-se a braços com cerca de 17 conflitos sangrentos. Só na Libéria registaram-se já mais de 200 mil mortos!

Mas é sobretudo a guerra na RD Congo que nos horroriza! Seis anos de guerra: quatro milhões de mortos! Uma guerra orquestrada em Washington, Paris, Londres..., uma guerra pelas imensas riquezas do Congo, sobretudo ouro, diamantes, cobalto, tântalo (que é usado nos telemóveis). Minérios sangrentos! Com um silêncio total por parte da imprensa ocidental.

É já claro para todos que os mass media são, na sua grande maioria, parte integrante do sistema económico-financeiro militarizado. Nos EUA, os mass media encontram-se nas mãos de uma dezena de enormes complexos económico-financeiros. Em Itália, o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, é dono de 90 por cento dos media, e não quer ficar-se por aí, aproveitando as facilidades da Lei Gasparri. O poder mediático encontra-se hoje solidamente nas mãos do poder económico-financeiro. Os media existem não para nos informarem, mas para nos venderem uma mercadoria (até a notícia é uma mercadoria!). É a mercantilização da informação.

Já Karl Popper (um dos mais notáveis pensadores nos EUA) dizia há anos: «Com esta televisão não pode haver democracia!»


Estrangular o mundo


Vivemos mergulhados num sistema económico-financeiro militarizado e mediatizado que mata não apenas com fome e guerra, mas destrói o próprio planeta. Cientistas como Lester Brown (assina o relatório anual O estado do mundo) avisam-nos de que temos pouco tempo (cerca de 50 anos) para que os 20 por cento do mundo, os ricos, mudem o estilo de vida. Se nos recusarmos a mudar, não será possível às gerações vindouras sobreviverem. O problema não vem dos pobres, mas dos 20 por cento de ricos do mundo. De facto, os 20 por cento de ricos do mundo gastaram mais recursos nestes últimos 50 anos que toda a humanidade num milhão de anos!

Se os outros – 80 por cento da população mundial – pretendessem viver como vivem os 20 por cento do mundo rico, precisaríamos de quatro planetas Terra como reservatório de recursos e de outros quatro planetas Terra como lixeira para vazar o nosso lixo. Este sistema é insustentável.

Bastaria ler o que afirma a International Geosphere Biosphere Programme (o programa científico mais importante sobre a mudança global em curso no mundo): Em poucas gerações, a humanidade gastou reservas de combustíveis fósseis geradas em centenas de milhões de anos, estando à beira do seu esgotamento; a concentração na atmosfera de diversos gases que fomentam o efeito de estufa, sobretudo o anidrido carbónico e o metano, aumentou perigosamente, originando rápidas mudanças climatéricas.

De 1992 a 2001, as emissões globais de carbonos aumentaram nove por cento (só nos EUA registaram-se 18 por cento). As catástrofes acontecidas neste Verão na Europa são um sinal do futuro que nos espera. Estamos a estrangular o universo com as nossas próprias mãos!


Grande sistema de mal


Não podemos viver em sistemas de morte sem nunca nos apercebermos do mal em relação aos comportamentos sociais. Reporto aqui a reflexão de um dos maiores bispos da África, o arcebispo católico Dennis Hurley, agora aposentado: «Seríamos levados a crer que os comportamentos sociais são responsáveis pela maioria dos males que se abatem sobre o mundo, males grandes e desastrosos, mas não imputáveis, se os analisarmos bem, a indivíduos, ou se o forem, a muito poucos.» E o arcebispo acrescenta: «Se pensarmos no grande mal que o colonialismo, o capitalismo, o nazismo, o fascismo, o marxismo causaram..., podemos interrogar-nos quantos agentes, pelo menos na massa (e isso significa a maioria), pecaram realmente em sentido moral. Quase sempre eram motivados por comportamentos sociais – cegos e paralisantes comportamentos sociais.»

E com amargura Hurley, partindo da sua experiência na África do Sul do apartheid, diz: «É possível crescer até à maturidade e para além dela numa sociedade que vive e prospera baseada na injustiça. Como faz a sociedade branca da África do Sul, sem nunca se aperceber disso. É possível fazer parte de um grande sistema de mal sem saber. E tudo isso devido aos comportamentos sociais!»

Poucos teólogos entenderam isso tão bem como o tanzaniano Laurenti Magesa: «A pior espécie de pecado, de facto o único pecado mortal, que tornou o homem escravo durante a maior parte da sua história, é o pecado institucionalizado. Na instituição, o vício parece virtude, ou é de facto considerado como tal. Nasce assim a apatia para com o mal, qualquer reconhecimento do pecado é totalmente cancelado, instituições pecaminosas são absolutizadas, quase idolatradas, e o pecado torna-se mortal de maneira absoluta. Na Sagrada Escritura, o pressuposto para o arrependimento (como, afortunadamente, o é para o catecismo) é o reconhecimento e a admissão da culpa. Mas o reconhecimento do mal, e por conseguinte o arrependimento do pecado, torna-se praticamente impossível quando o pecado é idolatrado como instituição.»

A primeira conclusão é que na vida da Igreja «se prestou muita atenção à dimensão pessoal – prossegue Hurley –; chegou a altura de dedicar-se, na mesma medida e até mais, à transformação social.» E Hurley acrescenta que na história da história da Igreja o Evangelho transformou radicalmente pessoas – Saulo em Paulo, Inácio de Loiola de cavaleiro de Carlos V num homem novo... –, mas não temos nenhuma sociedade ou cidade-estado ou nação que tenha sido radicalmente transformada pelo Evangelho.


Juntos podemos


É preciso uma autêntica revolução antropológica: partindo da pessoa (a conversão é pessoal) chegar aos comportamentos sociais. Poucos o perceberam tão bem como o americano Walter Wink no seu estupendo livro Regenerar os Poderes. «A irredutibilidade do social ao pessoal e do pessoal ao social: estes dois princípios formam uma unidade indissolúvel e contra qualquer mero reducionismo individualista ou sociológico. Deus quer a transformação dos indivíduos e da sociedade. Entraremos na Nova Jerusalém como indivíduos, mas com as nossas nações, redimidas ou saradas pelas folhas da árvore da vida (Apoc. 21, 24-26; 22, 2). O anúncio do Evangelho e a luta social são os dois braços da tenaz do único empenho na transformação do mundo. Os poderes são bons, os poderes decaíram, mas os poderes são redimíveis. Eis uma esperança digna d’Aquele em, através e em vista do qual existem todas as coisas, uma esperança que celebramos e cantamos no antegozo da restituição de todas as coisas ao abraço do amor de Deus.»

Para mudar o sistema, precisamos de uma revolução humana, antropológica. Como surgiu, a certa altura da evolução humana, o Homo sapiens, assim agora deve surgir o Homo planetarius, diria o padre Balducci. É um salto de qualidade humana que tem de ocorrer. É a recuperação da dignidade de cada pessoa humana, de cada rosto... Cada rosto é único e irrepetível, cada rosto é uma página de história sagrada. Cada encontro é graça! Eu sou as pessoas com quem me encontro! Mas não haverá o meu rosto se eu não acolher o rosto do irmão e da irmã, uma riqueza para mim porque diferentes de mim! Diferentes pela cor, pela cultura, pela religião, pelo género!

«Não há humanidade sem ser no plural – dizia o bispo de Orão, Claverie, vítima de um atentado em 1996 – e eu preciso da verdade dos outros!» Os imigrados entre nós são uma enorme riqueza cultural, religiosa, antropológica que nos torna a todos mais ricos se os acolhermos. O rosto do meu irmão, uma riqueza para mim, porque diferente de mim, o rosto da minha irmã... O coração de uma mulher é a ternura. De um sistema como o nosso, violento, patriarcal e machista, temos de passar para a civilização da ternura: nisso, os rostos das nossas irmãs desempenharão um grande papel se souberem manter-se fiéis à sua ternura transformando-a em princípio político vencedor. Não haverá nem o meu rosto nem o do meu irmão enquanto houver rostos de crucificados. Neste mundo, ou somos todos rostos ou ninguém é rosto! Ou todos somos cidadãos ou ninguém o é! Senão seremos meros tubos digestivos para atirar ao lixo.

Tem de nascer o homem novo, diria Paulo, tem de nascer o homem planetário. Precisamos de dar um salto em humanidade, mas de forma aberta, festiva, comunitária. É fundamental este estar juntos, fazer comunidade. Só as comunidades poderão resistir a este sistema de morte. Juntos podemos.



O mundo nas nossas mãos


Temos de nos convencer de que, juntos, podemos conseguir mudar o mundo. Como? Eis alguns exemplos. No campo económico-financeiro:

* Estilo de vida pessoal. Vivemos acima das nossas possibilidades. Comemos de mais, viajamos de mais, compramos objectos de marca... Temos de começar a compreender que se pode viver com muito menos.

* Estilo de vida familiar. São muitas as famílias que começam a praticar os «orçamentos de justiça», isto é, a fazer os orçamentos familiares e depois cortar o que está a mais.

* Comércio justo e solidário. Nasce da consciência de que o comércio escraviza os pobres. As Lojas do Comércio Justo compram em cooperativas de agricultores ou artesãos do Sul do mundo pagando um preço justo aos trabalhadores e vendem em espaços que se tornaram local de encontros, centros de resistência ao sistema e de construção de comunidade.

* Banca Ética. Assegura (pode-se controlar) que o nosso dinheiro é investido em projectos que servem às pessoas, aos pobres... e não em armas, droga...

* Sobriedade. Assenta em quatro imperativos que começam pela letra erre: a) Reduzir – olhar apenas para o essencial; b) Recuperar – ou seja, reutilizar o mesmo objecto enquanto for possível; c) Restaurar; d) Respeitar.

* Consumo crítico. Todos nós votamos hoje quando vamos ao supermercado, aos centros comerciais. É aí que “elegemos” o sistema. Os produtos de certas multinacionais como a Nestlé encontram-se já na lista negra de diversas campanhas. O importante aqui é lembrar que estas campanhas terão êxito se forem expressão de entidades, comunidades, associações... Se, por exemplo, todas as escolas superiores de uma cidade boicotarem os chocolates Nestlé no intervalo da manhã, e o fizerem escrevendo à Nestlé, ao centro comercial e aos jornais locais, a campanha pode ter um impacte notável.

* Poupança responsável. Há que excluir imediatamente os bancos que se envolvem com armas, com os paraísos fiscais, com os regimes opressivos. Também aqui não são campanhas pessoais, mas boicotes colectivos. Se, por exemplo, as dioceses de uma região decidirem retirar o seu dinheiro de bancos ligados ao comércio de armas, teriam um impacte público enorme.


Quanto à prevenção da guerra e à promoção da paz, sugere-se:

* Opção pela não-violência activa. É fundamental a opção pela não-violência activa que Gandhi popularizou, mas que foi inventada por Jesus de Nazaré. Trata-se de uma questão de vida ou de morte, que a todos diz respeito.

* Dizer não ao rearmamento e sim ao desarmamento. É fundamental para iniciar campanhas, movimentos para deter a escalada de rearmamento a que estamos a assistir. Temos de dizer não à bomba atómica, que é a negação de Deus. Temos de ajudar toda a gente a compreender que é preciso escolher entre Deus e a bomba atómica.

* «Não à guerra justa». A Igreja tem de abandonar o conceito de guerra justa. Depois de Hiroxima não há mais guerra justa. João Paulo II indicou-nos o caminho de forma profética com a sua forte oposição à guerra contra o Iraque. A Igreja tem de dar um salto qualitativo a este nível.

* Campanha Bancos Armados. É clara a ligação finança-armas. Por isso, qualquer banco conotado com armas tem de ser boicotado.

* Objecções de consciência. Diante de uma tão grande militarização, é importante avançar com as diversas objecções de consciência: a) Profissional – recusa, por parte de quem trabalha na fábrica, de construir armas ou de fazer investigação militar. b) Objecção de consciência à tropa – recusa de ir à tropa, porque hoje os exércitos são profissionalizados e têm como única finalidade a guerra, matar. c) Fiscal – recusar pagar impostos para aquilo que o Governo investe em armas.

É claro que este sistema económico-financeiro militarizado se conserva de pé devido ao enorme poder dos mass media. É inegável o impacte que, sobretudo, a televisão tem nas pessoas:

* Não à televisão. Quanto menos televisão virmos, melhor ficamos.

* Sim à leitura de jornais sérios, de revistas empenhadas ou de livros.

* Utilizar a Internet para difundir notícias e criar redes.

* Maior utilização da rádio, sobretudo das rádios locais, para dar notícias.


Empenho ecológico. É claro que este sistema económico-financeiro destrói o planeta. Cada um de nós pode fazer muito para reduzir o impacte negativo, mesmo no quotidiano:

* Protestar quando nos embrulham os produtos com uma embalagem excessiva;

* Privilegiar os produtos da agricultura biológica;

* Privilegiar os produtos embalados em vácuo no vidro;

* Perguntar se os objectos que compramos têm arranjo;

* Exigir que os produtos que compramos não sejam fruto de trabalho infantil ou tenham poluído os países de onde vêm;

* Comprar, sempre que possível, nas Lojas de Comércio Justo e Solidário;

* Adquirir, sempre que possível, produtos locais.

* Reciclar cuidadosamente todas as matérias, para evitar desperdício de materiais e combater a incineração do lixo.

* Recusar os produtos com embalagens inúteis.

Tudo isto requer uma coordenação e uma incrível capacidade de agir em rede. É esse o segredo que permitirá a este movimento dar um salto de qualidade, como insistem em dizer os americanos Brecher e Costello nos seus dois esplêndidos compêndios Contra o Capital Global e Como Construir Um Movimento Global. Não vai ser fácil, mas é uma grande esperança se se quiser evitar uma catástrofe.




Fonte do texto:
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